quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A ANTA DE TÊNIS E AS LEMBRANÇAS

14/08/2007 -
Manhã de inverno, se é que se pode chamar assim estas manhãs um pouco frias que estamos tendo neste “país tropical, abençoado por Deus” e arrasado por incompetência político-administrativa. “Meio que” manquitolando, desço a avenida Pero Vaz de Caminha, no Bom Retiro. Tento obedecer ao meu médico, que me recomendou caminhar. Preciso perder peso para aliviar a coluna; caso consiga fazê-lo e você encontre os quilos perdidos, não precisa devolver, obrigada... Ainda tenho bastante para perder, doar, eliminar, c’est la vie, a idade, o tanto de sorvete que aprecio, os bolos com calda de chocolate que faço, macarrão com três molhos, os patês... Ou simplesmente o prato russo que amo, o famoso “roscovo”, ou seja, arroz branquinho, quentinho, com um ovo “estralado”, como dizíamos na roça. Já estou com a boca cheia d’agua, como é que pode, andando para emagrecer e já pensando em comer? Como diz meu amigo Francisco Neto, “Deus é Pai”!Engraçado estar usando tênis, sempre detestei este tipo de calçado, desde os tempos do colégio de freiras onde estudei e eis que estou andando com os ditos-cujos e com calcanheira! Sempre caminhei de sandália, sou teimosa mesmo, mas os esporões doem, a coluna dói, os braços doem pela tendinite, ih, tô mesmo “bichada”, como diz meu filho Tiago, com a irreverência da juventude. Ah, anos doces, verdes, loucos e lindos dos jovens, Deus te abençoe meu filho, abençoe também as filhas que Ele me deu, a minha filha-criança e a minha branquinha caçula; Deus abençoe todas as mães e todos os filhos, ih, já estou querendo chorar ao recordar os depoimentos dos “Falcões do Tráfico” do livro do MV Bill, todos os meninos e adolescentes “adotados” pelo tráfico falam em suas mães, na vontade de atender as necessidades delas; estão no crime, mas pensam nas mães, sendo eles próprios, crianças desamparadas, a maioria sem pai, e sem que a Mãe-Pátria lhes dê importância. Mas que merde! – diria Madame Leziá – saí pra caminhar e já estou chorando pelas injustiças, eita, que sina, estou sempre lembrando, pensando nelas, faço pouco, mas faço, lutei por muitas crianças na Defensoria, sempre lecionei tentando fazer meus alunos pensarem, meus filhos não são consumistas, denuncio o que vejo, escrevo artigos e poemas sobre as injustiças, quem sabe um dia, quem sabe...?Respiro fundo e disfarço, já tenho uma cara meio esquisita, daqui a pouco vão achar que endoidei, vamos pensar em outra coisa. Na época da ditadura - que Deus e os brasileiros a mantenham enterrada - Millôr Fernandes criou uma personagem em “O Pasquim” que era uma anta que usava tênis. Personificava o regime de exceção, (coitada das antas), mas eu aqui, de tênis, me sinto a própria. Reparo que a terra geme de sede, as folhas estão ressecadas, mas há pássaros nas árvores, bem-te-vi canta e conta que, na hora certa, vai chover e a vida se renovará, eis que a Natureza sabe manter seus encantos e mistérios...Continuo a caminhar, e me lembro que, na primeira vez que adentrei a ciclovia que vai da portaria da Usina até o Bela Vista, de repente, eu parei extasiada: tinha avistado uns arbustos carregados de frutinhas negras, minúsculas. Sentei no chão fascinada, e comecei a colher e comer erva-moura, você conhece? Meu Deus, tal frutinha era abundante perto da minha casa em um dos lugares onde morei e, num átimo de tempo, a infância saltou de dentro de mim como um raio; vi (revi?) uma menininha magra, de tranças, meias e sapatos nos pés, agasalhada, por causa do “chiado no peito”, brincando com outras crianças. - “Gente, vamo comê ‘vamoura?”- Convite aceito, olha a gente tomando de assalto os pés da frutinha, boca ficando roxa, manchando as mãos e as roupas, ai, que gosto maravilhoso tinham aquelas frutas! Minha mãe cuidava dos afazeres domésticos, as irmãs mais velhas a ajudavam, os irmãos, Jarrim e Dumil, ajudavam o pai na venda, uma carroça preguiçosa vinha em nossa direção, um cachorro magro e faminto vadiava, o sol iluminava a rua sem calçamento, e a gente, no terreno baldio ao lado de casa, continuava comendo erva-moura, pisando em caco de vidro, procurando tesouros cobiçados, como papel “lumioso” de cigarro para ir juntando em bola, e aquele terreno baldio cheio de surpresas, era do tamanho do mundo, e o mundo, uma vilazinha do interior que salta de minhas lembranças para o sempre da minha manhã sem fim... Pela ciclovia que vai do Bom Retiro ao Bela Vista, uma velhinha de tênis, embriagada de lembranças sob o sol de inverno, caminha...ZOOM- Um abraço para Maria Luísa Pinheiro e sua meiga filha Daniela - Outro abraço, agora para o grande Luiz Vieira Marques que nos enlevou com sua cultura na comemoração dos 35 anos da Tikufukai. Ao explicar o ritual da Cerimônia do Chá, passou pelos gregos (o banquete de Platão) e os povos do Oriente, que seguiam e seguem o rito da celebração do encontro, e terminou com... uma fala de Riobaldo em “Grande Sertão Veredas” de Guimarães Rosa! Um banho de cultura, um luxo, meu amigo! - João Senna, você ar-ra-sou com aquela crônica sobre seu pai, e a poeta Lilá, também.- Fabiana, o seu “ Envenenando o SE” foi tudo de bom, sabe o que digo brincando quando vejo o uso do se? Digo ”se danou-se!”, com perdão dos puristas, é claro. - Um abraço para o delegado Francisco Lemos, que também foi ouvir a fala de MV Bill, no Usicultura. - “Larissa, sua mãe é “o cara”. Esse elogio dito à minha caçula, veio de Nilmar Lage, o poeta, jornalista e integrante do conjunto “Os Capiau”. Pôxa, fiquei emocionada. Se sou "o cara " para uma pessoa tão jovem e inteligente, aumenta a responsabilidade. Obrigada, lindinho, beijo pra Jaque e pro Gabriel. - Abraços para Simone, diretora da Apae, e é claro, para Gemina Linhares, para a comadre Maria Alice, para a direção da Escola Criativa da Vila, cujos alunos brilharam na solenidade da Tikufukai. - Na exposição de Ikebana, entre lindas obras, de repente vejo uma criação da iluminada Laila Abreu. Que saudade, amiga! Parabéns! - Vi Cláudio Salvador, Sônia e os lindos filhotes, no dia dos Pais, em linda confraternização. - Beijos para minha amiga de fé, Maria do Rosário Machado. - Um dia cheio de gosto de infância, com seu doce ou fruta prediletos, a música de Luís Vieira (lembra de “Menino de Braçanã”?) os versos de João Cabral de Melo Neto e paz, paz, paz , são os meus votos.Au Revoir.

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