sábado, 10 de outubro de 2009

DE DORES E ESPERANÇAS

20/11/2007 -
Você dorme com elas, acorda com elas, passa o dia todo sentindo-as... Passam a fazer parte de sua existência. Como se estivesse com um “pino ou vários pinos” avariados, seu corpo se recusa a funcionar e você passa por uma gama de sofrimentos que lhe avariam o discernimento. Falo das dores da tenossinovite, da tendinite, da artrose e esporões que me atacam com vontade, ultimamente. A dor traz ao ser humano uma tristeza infinda, há como um fluir de emoções negativas, sentimo-nos impotentes ante tanto sofrimento, os remédios agem lentamente, as sessões de fisioterapia nos são odiosas, o tempo pára... Não é fácil constatar que não se pode mais erguer os braços, que seus dedos inchados deixam escapar o que deviam segurar, sua assinatura está diferente, que um lado de suas costas está dolorosamente mais alto que o outro, que seus pés não conseguem andar... Aí, não raro, vem uma sensação de inutilidade, principalmente para quem é workaholic que nem eu e acha que, primeiro vem o serviço, e depois as outras coisas. Não é fácil ficar sem andar por alguns dias, e ao fazê-lo, andar como uma pata choca, com aquele tênis horrível e calcanheira, e ainda sentindo dor, apesar dos medicamentos e da fisioterapia, que é o nome moderno das torturas medievais. Quando a depressão vem – e ela vem, com certeza, como sabem todos os portadores de LER, que atualmente se chama fibromialgia - acompanhada pela sensação de inutilidade, eu me lembro de minha irmã Marlene. Mais velha que eu, sofreu um acidente de carro, em 1973, quando ia para a Faculdade fazer a única prova do curso de Ciências Sociais, vez que havia passado direta em todas as outras matérias. No acidente, sofreu lesão na medula, o que lhe provocou paraplegia. Passado o inevitável período de cirurgias, hospital de recuperação, revolta, esperanças e desesperanças, dores infindas e por fim, a certeza de que jamais voltaria a andar, reorganizou sua vida de maneira a aproveitar o máximo o resto de seus dias. De cima da cama, desenhou, planejou e construiu uma casa linda, toda adaptada, para onde se mudou, sozinha, pois sempre foi ponto de honra não ser pesada para ninguém. Criou um sobrinho, Carlos Magno, que hoje é neurocirurgião com especialização na França, e é seu filhão. E “tocou” a vida, sempre com dores e limitações que aprendeu a enfrentar, ela é aquela pessoa que fez de um amaríssimo e azedo limão, literalmente, uma limonada. Uma pessoa assim certamente seria amarga, dura, queixosa, implicante, rancorosa, certo? Errado. Marlene é uma pessoa muito franca, mas educadíssima, gentil, tem uma infinidade de bons amigos, entre os quais muitos ex-alunos, mora sozinha, enfrenta a vida com coragem e dignidade, e pasmem! – tem sempre uma palavra boa para quem a procura! Encoraja os fracos, aconselha a quem pede, faz planos para o futuro; agora, pretende passar uma temporada por ano, em BH para curtir o netinho Victor e ir a Paris, tendo já me requisitado para acompanhá-la! Considera-se uma tri-sobrevivente, pois teve de se submeter a uma mastectomia que lhe levou o seio direito e, recentemente, sobreviveu a um aneurisma que foi tratado com técnicas modernas, um negócio de pinos que são implantados na cabeça e ela ri, agradecida, por ter escapado de mais uma cirurgia que poderia deixar seqüelas sem limite. Trabalhou durante doze anos e três meses, a partir da década de noventa, como Coordenadora da CAD – (Centro de Apoio ao Deficiente de Governador Valadares), onde desenvolveu um trabalho ímpar pelos que nasceram ou ficaram incapazes e que, no nosso país, enfrentam todo tipo de dificuldades, a começar pela ausência das rampas de acesso a logradouros públicos, condução, assistência médica, medicamentos...Cada prefeito que entrava, cuidava de mantê-la no cargo, pela sua eficiência e prestígio, até que a administração “do trabalhador” chegou ao poder e ela foi demitida, sem consideração nem piedade, coisas da vida... Apesar da falta de consideração e respeito, continua bravamente a lutar: culta e inteligente, escreve para jornais e revistas e, sobretudo, tem um dinamismo e uma amor à vida, que transmite a todos, tendo sempre uma boa palavra para quem a procura. Acham que acabou por aí? Não. Na falta das pernas, transferiu para os braços todas as tarefas, e o esforço para trabalhar, cuidar da casa e usar a cadeira de rodas, causou-lhe uma... baita tendinite! E tome mais dor, dor, dores. Aí, a maria das dores que “estou”, com esporões, coluna e tenossinovite, agora tem companhia para sofrer! E quando desanimo, eu me lembro dela, sempre gostei de visitá-la, porque quem fala com ela, tão animada, organizada e sábia, sai com vergonha de reclamar da vida! Rapaz, diante de seus problemas, mais a infecção crônica dos rins, e otras cositas mas que nem me lembro e que enfrenta com dignidade, eu não tenho nada!...Outro dia, li um texto sobre os ipês, que me fez pensar nela. O título é Stress com Flores e diz: “perto do inverno, no período entre maio e agosto, o ipê sofre com a falta de água. E sabe como ele reage a esse stress? Dando flores! Tanta beleza é um modo de lutar pela vida. O ipê quer iniciar o processo de produção das sementes para garantir a perpetuação da espécie. Sua florada aromática ocupa toda a copa atraindo abelhas e beija-flores. Para se manter vivo, ele joga fora as folhas - assim evita que a própria umidade evapore - e guarda reservas de amido nas ramas. E continua a viver.” Assim como minha irmã Marlene, que joga fora a depressão e tristeza, apesar de todo sofrimento e consegue gerenciar a própria vida, com exemplo ímpar de garra, generosidade, coragem e fé, que me ensinam que sempre há um jeito, uma esperança! Como me orgulho dela! E nada mais digo!

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